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Nos Estados Unidos, supervisão de obras é feita dentro e fora do governo

Supervisão e fiscalização superpostas, do governo e de fora, contratos que impõem às construtoras risco quase integral das obras e limitação a aditivos estão entre os trunfos dos EUA para garantir licitações públicas bem-sucedidas, segundo especialistas. Uma das principais blindagens usadas na área de infraestrutura é a cláusula chamada de performance bond, que prevê contratação, pelo vencedor de um leilão, de seguro para 100% do empreendimento, obrigando as seguradoras a terminarem a obra, sem custo adicional ao poder público.

— Há um sistema de incentivos em torno da contratação de obra pública nos EUA que faz com que todos os agentes envolvidos, setor público, construtora, seguradora, comissões e administradores independentes, remem na mesma direção. O conceito é o de autossupervisão — diz o advogado Maurício Gomm, sócio do escritório Gomm & Smith, em Miami.

A cláusula de performance bond dá direito ao governo ou órgão público de encerrar unilateralmente o contrato se a obra não progredir como acertado, em tempo e qualidade, se as exigências técnicas não forem atendidas e em casos de falência. As seguradoras mantêm permanente fiscalização sobre a obra. E as construtoras tendem a adotar as melhores práticas, pois, se gerarem o sinistro, terão dificuldade de obter seguro para um próximo contrato.

O setor público costuma considerar, na avaliação das propostas, o desempenho anterior das empresas, explica Stuart Kasdin, professor do mestrado em Contratos Governamentais da Universidade George Washington. O performance contract é usado em nível federal e pelos estados, condados e cidades. O peso do histórico da firma chega a 40%, ao lado de preço e qualificação técnica. O governo federal mantém, em todos os órgãos e agências públicos, o histórico de concessionários e fornecedores. Há listas negras de quem está barrado em futuras licitações.

— O governo federal se reserva em lei o direito de auditar informações financeiras e livros de registro de quem contrata. O trabalho é feito por funcionário que não é do órgão público contratante — disse um especialista em compras governamentais sócio de um escritório de Washington.

O processo de contratação e acompanhamento das obras conta, rotineiramente, com uma terceira parte. Com um sistema de supervisão independente, governos e agências estabelecem comissões, de funcionários de outros departamentos do órgão, para acompanhar a execução dos contratos, o que é determinante para a liberação das parcelas de pagamento.

NA FRANÇA, LEIS LOCAIS E DA UE

Outro mecanismo comum é a contratação pelo setor público de uma firma de engenharia ou arquitetura, que fica responsável por supervisionar e gerenciar a obra. Mesmo sem ter poder sobre a construtora, os técnicos zelam pelos termos do contrato, fazem relatórios periódicos ao órgão público e funcionam como alerta a tentativas de burlar especificações técnicas e mau uso das verbas.

— Empresas de gerência de obra são importantes para reforçar qualidade e segurança das obras. As seguradoras fazem inspeções periódicas no local, assim como o poder público envia seus inspetores regularmente — afirma Bill Nash, do Instituto da Construção, braço da Sociedade Americana de Engenheiros Civis.

Uma prática bastante limitada nos EUA é o aditivo de contrato. Para evitar que o setor público pague muito mais pelo empreendimento do que o previsto em leilão, os contratos têm uma lista de especificações sobre o que posteriormente pode ser considerado ocorrência extraordinária e embutido na revisão contratual.

— Equilíbrio econômico-financeiro, sem amarras, é só um coração de mãe. Cabe tudo quanto é gremlin — diz Gomm. — Nos EUA, a previsibilidade contratual vai ao nível do máximo detalhamento, levando em conta experiências passadas e o contexto da obra, pensando em tudo o que for possível em termos de risco geológico, temporal. Há cláusulas de limitação e exclusão de responsabilidade. Se a alegação estiver fora do previsto, quase certamente a questão será arbitrada na Justiça.

As duas formas mais comuns de contratos são a de preço fixo e de valor variável. No primeiro, usado em obras de infraestrutura de grande porte, o que for acordado na assinatura do contrato é o preço final do empreendimento. Só mudanças substanciais, visíveis e claramente justificáveis são consideradas pelos governos.

No segundo, o valor pode ser adaptado. Para evitar brechas a aditivos, os governos recorrem a essa modalidade em ações menores ou quando o serviço é difícil de ser estimado, como em pesquisa.

A rigidez é visível também na França, onde as regras são definidas pela legislação nacional e por diretivas europeias.

— O que me chama a atenção aqui é que as normas legais não se limitam unicamente ao aspecto técnico-financeiro, há uma grande tônica nas questões éticas e de corresponsabilidade do poder público — avalia Maria Isabel dos Santos Nivault, advogada da sede parisiense do escritório Gouvêa Vieira Advogados.

O país conta com seu terceiro Código dos Contratos Públicos, com uma última versão alterada mais de uma vez para atualização. Para participar de uma licitação, uma empresa não pode ter sido condenada há menos de cinco anos por crimes de corrupção, violação do segredo profissional, estelionato, abuso de confiança, uso de trabalhadores não declarados ou discriminação. No caso de condenação, a empresa fica proibida de participar por pelo menos cinco anos.

— Existe aqui a responsabilidade penal da pessoa jurídica. A empresa pode ser condenada penalmente por atos de corrupção. No Brasil, a condenação é só no âmbito civil, para pagamentos de multa, indenizações. — diz Maria Isabel. — E caso haja reclamação trabalhista, o poder público é corresponsável pelo pagamento dos valores determinados pela Justiça, o que não temos no Brasil.

Após a assinatura do contrato, cabe a órgãos do governo a responsabilidade de fiscalizar a qualidade das obras e os prazos. A advogada destaca os critérios de elaboração dos documentos exigidos nas licitações, para evitar que exigências sejam criadas para favorecer alguma empresa:

— Irregularidades ocorrem sobretudo em pequenas localidades, mas o processo é mais transparente. A corrupção é combatida de forma mais aberta.

Por Flávia Barbosa e Fernando Eichenberg / Correspondentes

Fonte: O Globo, Economia via CTE
 

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