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'Cidade inteligente' não é garantia de melhorias sociais, diz urbanista

O alto investimento no conceito de “cidade inteligente”, que usa tecnologia para automatizar a gestão de setores como trânsito e saúde, é um erro. A avaliação é do especialista holandês Ton Dassen, 48, coautor do livro “Smart About Cities – Visualising the Challenge for 21st Century Urbanism” (2015) (Inteligência sobre Cidades – Visualizando o Desafio para o Urbanismo do Século 21, em tradução livre), escrito com o pesquisador Maarten Hajer, ainda sem edição brasileira.

Na publicação, ele defende um planejamento urbano inteligente no lugar de uma aceitação acrítica do conceito de cidade inteligente. Para Dassen, trata-se de “moda” que resulta de esforços agressivos de empresas de tecnologia para vender suas soluções. Leia trechos da entrevista abaixo.

Folha – O título do seu livro defende outro tipo de inteligência para planejar as cidades. Por quê?

Ton Dassen – Há um enorme debate no mundo sobre cidades inteligentes. Mas há intenções claras por trás disso. É uma coalizão de interesses de governos e grandes empresas de tecnologia.

Até agora, o discurso sobre cidade inteligente tem demonstrado pouca sensibilidade sobre o contexto em que elas terão que ser construídas. Não há relação com uma proposta de reforma social. É inovação tecnológica, não social ou institucional.

Como funciona esse lobby de empresas de tecnologia?

O Banco Mundial estima que de US$ 30 trilhões a US$ 50 trilhões serão necessários nos próximos 20 a 30 anos para reformar e reconstruir cidades. Não surpreende que as soluções mágicas que a ideia de cidade inteligente oferece sejam atraentes.

Pode dar exemplos?

Os exemplos mais conhecidos de cidades inteligentes no modelo modernista são Songdo (Coreia do Sul), Masdar (Emirados Árabes) e Chengdu (China). Os poderes tecnocráticos vendem soluções tecnológicas utópicas sobre cidades mais seguras, sustentáveis e inteligentes.

O grau de sucesso varia. Em Amsterdã, o resultado tem sido bom. Em países que têm política mais fechada, como China e países árabes, ou que têm concentração de capital, como Índia, há a tendência de implantar tecnologia para tornar partes das cidades mais seguras, limpas e eficientes.

A meu ver, essas cidades negligenciam problemas mais graves, pois são muitas vezes inabitáveis e muito desiguais. Acredito que a acessibilidade e algum grau de igualdade são precondições para a construção de uma cidade ecossustentável.

Enquanto os mais pobres tiverem preocupações maiores do que o ambiente e os ricos estiverem preocupados mais com a manutenção do privilégio e da segurança, os antigos padrões serão mantidos.

Quais são as políticas que devemos priorizar?

Ainda construímos cidades como se fazia no século 20. Países em desenvolvimento deveriam planejar suas cidades pulando etapas pelas quais nós passamos, priorizando o transporte público em detrimento do carro, por exemplo. Senão, vão virar cidades disfuncionais.

Por Luiza Franco

Fonte: Folha de S. Paulo, Cotidiano, via CTE

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