Sep

05

Como destravar as cidades

A solução para os problemas de mobilidade, evidenciados pelos protestos de junho, passa não só pelo sistema de transportes, mas principalmente pela mudança no atual modelo de desenvolvimento das cidades

Foto: Nagasima/Shutterstock

O crescimento ordenado do mercado imobiliário pode ter papel central na melhoria da mobilidade urbana nas grandes metrópoles

A onda de manifestações que tomou o País no mês de junho colocou em xeque o atual sistema de transporte público, mas também trouxe à tona, paralelamente, outras questões ligadas à mobilidade urbana. Para o Movimento Passe Livre, que encabeçou as passeatas contra o aumento do preço das passagens, o transporte coletivo é condição fundamental para o exercício do direito à cidade - daí a demanda pela gratuidade das viagens. De fato, nas grandes metrópoles, a população - em especial a mais pobre - depende da rede de transportes para desfrutar a cidade, e isso evidencia um problema mais profundo ligado não à questão viária, mas sim às enormes distâncias que separam a moradia do trabalho, ou a casa do lazer.

Fica a pergunta: é possível solucionar o problema da mobilidade urbana no Brasil apenas com investimento na rede de transporte público? "Nós não temos condições técnicas nem financeiras de fazer uma rede de transporte de massa eficiente e confortável no curto prazo. O que nos sobra é a necessidade de reduzir os deslocamentos e, para isso, só há uma alternativa: novos modelos de ocupação, que façam com que as pessoas se desloquem menos", responde Claudio Bernardes, presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP).

Historicamente, as metrópoles brasileiras mantiveram um modelo de crescimento espraiado. O encarecimento da terra bem localizada e dotada de infraestrutura foi expulsando as populações mais pobres para periferias cada vez mais distantes do Centro, enquanto a maior parte das opções de emprego e lazer continua concentrada nas regiões centrais. O resultado são ônibus e metrôs superlotados, ruas e avenidas congestionadas e pessoas que fazem viagens de até duas horas apenas para chegar ao trabalho.

Se é urgente investir na ampliação e na melhoria da rede de transportes, também é imperativo frear esse espraiamento urbano, aproximar a moradia do trabalho e trazer o vetor de desenvolvimento para dentro da cidade, em regiões já consolidadas, mas subutilizadas, que ainda suportam crescimento populacional. É o conceito da cidade compacta, isto é, uma cidade densa e diversificada nas regiões onde há boa infraestrutura, com uso misto do solo, e sem segregação entre áreas residenciais e polos comerciais e empresariais.

"Temos que distribuir as atividades no município de forma inteligente, estimulando atividades complementares e sinérgicas nas diversas regiões", afirma Bernardes. "É preciso criar emprego próximo de onde as pessoas moram, e para isso seguramente teremos que fazer algum tipo de adensamento ao longo das linhas de transporte de massa que já existem." Só assim é possível reduzir a quantidade de deslocamentos feitos diariamente e encurtar as distâncias percorridas, aliviando os transportes e o tráfego nas ruas.

Reocupação do Centro
A professora Silvia Zanirato, do curso de gestão ambiental da Escola de Arte, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), desenvolve desde 1998 pesquisas sobre a questão do patrimônio cultural edificado e sua função social. Segundo ela, "o Centro de quase todas as capitais do Brasil está esvaziado e tem imóveis que não estão cumprindo sua função social. Só na administração regional da Sé [em São Paulo] existem 40 mil imóveis abandonados ou subutilizados. É um número muito expressivo". Promover a reocupação dessas áreas é um dos principais desafios que se impõem ao poder público municipal atualmente.

Na avaliação de Carlos Leite, professor de projetos urbanos do Mackenzie e autor do livro "Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes", lançado em 2012 pela editora Bookman, a principal demanda de grandes cidades como Rio de Janeiro e São Paulo hoje é fazer o adensamento populacional dos centros. Para ele, é natural que o mercado imobiliário abra novas frentes de valorização em bairros ainda pouco explorados, mas "a questão é como deixar que novas áreas apareçam sem que se perca a população moradora, o comércio e os serviços das áreas centrais, onde há mais infraestrutura e memória urbana. São áreas que receberam investimentos pesados ao longo de anos. É insustentável deixá-las vazias".

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